A serpente, não se iluda, jamais morre ou envelhece
apenas se despe, enquanto ela mesma outra retece.
Seu ovo é sempre recomeço, nunca início ou herança,
se a vemos morta, é que finge, já tece nosso tropeço.
A serpente não grita, sibilina, sussurra, nos hipnotiza,
precisa pedra paralisa prepara o bote em quem a pisa.
Hermafrodita de duas cabeças, confunde quem a ouve,
as vozes antagônicas, mas é una, embora vária pareça.
Seus dois lábios sibilam e seduzem com lábia medonha,
oferece as duas línguas no beijo bifurcado de peçonha.
Na escuridão da nossa estupidez, nas sombras da nudez,
não vemos o veneno viscoso que escorre do sexo imundo.
A mistura de sangue e sêmen fecunda o ventre do horror,
e espalha os frutos do amor maldito: esses ovos de chumbo.
Lúcio Autran
Do livro Soda Cáustica Soda, autoria de Lúcio Autran, publicado pela Editora Patuá em 2019.
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