Era um sábado de manhã. Parecia ser um dia qualquer como tantos outros. Todavia, esse era diferente. Na verdade, todos os dias parecem com um fim de semana desde que a quarentena começou em função da epidemia. Com todas as pessoas trancadas em casa, exceção feita ao pessoal da saúde (médicos, enfermeiros, entre outros), a grande maioria das pessoas ficava em suas residências. Saída, no máximo, pro mercado ou pra farmácia. Então, por que esse era diferente?
Era diferente, porque Luís decidiu reformar o banheiro. Trocar as pias e o chuveiro, desgastados pelo tempo de uso, mas nem tanto que não pudessem suportar mais alguns meses, o que seria uma espera razoável para uma pequena reforma desse tipo. Mas como convencer alguém teimoso com uma ideia fixa? Era a sina de Sílvia naqueles dias. Embora tentasse o diálogo, não foi capaz de demovê-lo da ideia. Então, foi se organizar pra isso.
Até então, tudo tranquilo. O encanador chegou e começou o serviço. Claro que tinha que ter um porém: teve que usar a furadeira. E fez barulho, nada que incomodasse Sílvia, acostumada as reformas do companheiro. O problema foi com os vizinhos. Apesar de não estar fora dos seus direitos, uma vez que o regulamento permite a reforma nos apartamentos nos feriados pela manhã, ainda assim, ouvira reclamações deles. Ouvira não, lia. Em períodos de quarentena, o que ferviam eram os grupos de Whatsapp nos celulares alheios, uma versão atualizada das rodas de prosa e dominó que os nossos avós, um dia tiveram, creio que mais animadas…
Era um “zumzumzum” pra tentar descobrir quem fazia e se era possível a reforma nos fins de semana. O curioso era que a reclamação não era da vizinha logo acima ou abaixo de Luís. A reclamação era da vizinha do 10o. Andar. Luís e Sílvia estavam no 13o. O barulho pouco ou quase nada chegava lá. Mas a vizinha seguia reclamando. Tentava mobilizar mais alguém em seus protestos, mas depois de umas 15 mensagens, quando foi finalmente convencida de que sim, é possível fazer barulho num sábado de manhã, a vizinha parou com o alarde. Pelo menos no grupo. Foi interfonar pra portaria pra reclamar. O porteiro, basicamente uma região neutra do prédio, ficou surpreso com a reclamação, mas explicou que estava no direito deles agir no apartamento. Aproveitou também para questioná-la se o barulho realmente chegava lá, pois nenhum dos outros oito moradores reclamaram do barulho, nem mesmo os vizinhos de andar. E a reclamação morreria aí certo?
A resposta seria afirmativa se a vizinha não estivesse “virada” pra reclamar. Havia encontrado um sentido para o seu fim de semana e não queria perdê-lo. Passados 10 minutos de quando falara com o porteiro, o barulho parara. Será que a reforma tinha acabado? Não se aguentou e interfonou para o vizinho.
- Oi vizinho! A reforma acabou?
- Oi Laís! Quase! Ele trocou todas as pias e agora falta trocar o chuveiro. Perdão pelo barulho!
- Imagina! Nem notei, falou com a maior cara de pau, são coisas do fim de semana, né?
- Sim, sim. Mas e então, como vai de quarentena?
- Ah, você sabe né? Dentro de casa, limpando, comendo, organizando e assistindo a um filme ou uma série de vez em quando. E você?
- Por aqui, eu e a Sílvia aproveitamos para pôr as bagunças em dia. Separamos livros velhos, roupas e essa pequena reforma no banheiro, porque já estava ficando enferrujado…
- Ai, caramba! Aí, não tinha como aguentar mais né?
- Não, mesmo. Olha vizinha, vou ter que ir que ainda falta instalar um chuveiro aqui. Mas, pode deixar que não faremos mais barulho, tá?
- Tá tudo bem, não se preocupa comigo. Ah, e depois me passa o contato desse encanador? Acho que tem uns serviços pra ele aqui.
- Claro, claro. Assim que acabar aqui, te ligo certo?
- Certo, até mais.
- Até.
Após encerrar a ligação, Laís estava meio triste. Com o fim de reforma no vizinho, perderia o motivo para reclamar e movimentar o seu fim de semana. No fim das contas, o barulho não era um incômodo, mas um evento. Isso explica tamanho interesse, já que essa reforma fora a melhor história dos grupos de bate-papo em toda a semana. E não queria perdê-la tão cedo, o que justificaria a razão de sair andando pela casa com um martelo na mão. Ah, os vizinhos...
Por Miguel Barros
Comentários