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Foto do escritorEscrita Cafeína

Humano demasiado Vírus. Vírus demasiado humano.


Um vírus não enxerga classe social, etnia ou gênero e, no entanto, bastou um mapa epidemiológico (3) ser divulgado pela Secretária Municipal de Saúde de SP, no dia 17/04/2020, para constatarmos aquilo que lamentavelmente sabíamos: morre-se mais na Brasilândia, periferia de São Paulo, e menos no bairro Morumbi.

As desigualdades sociais do nosso país

são marcadas pela cor dos corpos

usualmente pretos, corpos sempre tão matáveis,

torturáveis e descartáveis. Sendo assim, e daí?

A História é exemplar em nos mostrar que desde sempre existiu um peculiar protocolo sobre quem deve ficar vivo e quem deve morrer. É através desse protocolo exercido todos os dias pela branquitude acrítica, como diria o Dr. Lourenço Cardoso (2), que o fundador de uma plataforma de investimentos financeiros, vem nos dar boas novas.

Podemos comemorar, pois a classe média

alta parou de morrer! Só temos um probleminha:

“O desafio é que o Brasil é um país com muita

comunidade, muita favela, o que acaba dificultando

o processo todo”. (Guilherme Benchimol, presidente da XP).

E no meio do caminho tinha uma gente que queríamos exterminar. O que seria exatamente esse “processo todo”? Talvez essa elite perversa ainda esteja a sonhar o sonho racista do médico Nina Rodrigues (5), o jeito é acelerar esse processo com a mais poderosa ideia eugenista de pátria amada. Quando ouvimos sobre a politização da pandemia e quais são e para quem são as políticas de prevenção, contenção e tratamento da COVID-19 no Brasil não parece exagero dizer, que para alguns líderes, a pandemia surge como uma espécie de solução final à la Hitler com potencial de escravizar ainda mais a sua população sobrevivente, esta que dificulta esse tal “processo todo”.

Fica o gosto ou o “filete de sangue nas gengivas”, do passado que não cessa em acontecer e de repente lembro do rei da Bélgica. Quem dera existisse alguém para lhe dizer, senhor Leopoldo II, fique em casa, em sua Bélgica! No entanto, Leopoldo II, decidiu que faria do Congo o seu quintal, resultado: o genocídio Congolês, holocausto que matou 10 milhões de pessoas com requintes de estupro e amputações. Diferente de Hitler, Leopoldo não teve o reconhecimento histórico de grande assassino e eugenista (4).

Afinal, quando se mata gente preta… e daí?

Então quer dizer que a pandemia não nos coloca no mesmo barquinho, como disse a digital influencer? Penso que não, alguns barcos são navios e dentro deles temos muito descaso regado à vodka com trilha sonora feita pelo DJ top da balada e gritos de “foda-se a vida” - dos outros, é claro. Depois, eles pedem desculpas com o sorriso de quem aguarda o desembarque de mais um navio negreiro, enquanto o Ministro da Saúde só faz contar os números.

Por fim, é sempre bom lembrar que dentro desse Brasil há gente sem tempo para se enrolar em bandeiras e apertar insanas buzinas, eis aqui algumas pessoas tão amorosamente nomeáveis:

Carmen Lopes, assistente social, ajuda

em plena pandemia pessoas em situação

de rua na Praça General Osório, SP.

Padre Julio Lancelotti, quem segue

irritando todo o sistema por fazer aquilo

que o Estado não quer, dar dignidade às

pessoas em situação de rua.

Maria Aparecida Duarte, técnica de

enfermagem, morreu de Covid-19 e

trabalhava no pronto-socorro em

Carapicuiba, SP, salvou vidas.

Aparecida da Silva, costureira que faz

máscaras para proteger os moradores

de seu bairro, Aparecida combate o fetiche

da mercadoria e não vende máscaras por

R$147, ela doa.

Thalita Leoche, psicóloga, trabalha com

crianças em situação de rua na cidade de

Santos-SP. Ela pensa nas crianças pretas e

pobres que podem morrer, inclusive por

COVID-19 e todo descaso do Estado. Thalita

segue mesmo sabendo que ela pode se

infectar, pois ainda sonha com a vida e

todas as suas possibilidades.

Rita - desempregada -mãe de cinco -

periférica, quase foi despejada de seu

barraco, caso Maria, Natália e Nathalia do

coletivo EntreElas (1) não fizessem o corre

para conseguir a grana do aluguel de Rita.

Apesar de todas as violências sofridas, Rita

segue acreditando que as coisas vão melhorar.

E quem sou eu pra dizer que não, nada vai melhorar? Se no meu corpo preto há sangue que nem sei dizer sobre essas tantas Dandaras, Lélias, Ritas, Laudelinas, Antonietas, Carolinas de Jesus ou não.

Por Vandia Leal

Referências bibliográficas:

(1) Coletivo entre elas

(2) Lourenço Cardoso – Branquitude acrítica e braquitude crítica – supremacia racial e o branco anti-racista.

(3) Mapa epidemiológico

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